Ariel

(Talvez fizesse tempo que ele não saía de casa pra olhar pra rua; passava tão depressa pelas coisas que as coisas se afastavam dele, ofendidas com tanta indiferença. Era tudo conveniência e hábito. Todos os dias já estavam preparados para ser. Tinha de fazer um pouco de tudo aquilo que gostava e de tão pouco, não sobrou nada. Não queria mais fugir de casa. Seu quarto era grande o suficiente para seus poucos passos).

Acordou babando a fronha. Pegou o celular que dorme com ele e viu a hora. Cinco horas de atraso. Sentou na cama e descobriu que não havia mais nada que desse vontade de fazer. Que trabalhar não dava satisfação nenhuma, a faculdade era insuportável, a namorada estava magra demais. Nem mesmo a internet tinha vontade de ver. Seus desenhos andavam horríveis e seus escritos, piores ainda. Era tudo uma grande insatisfação.
Mas na verdade, ele havia sido demitido; estava para reprovar o ano na faculdade, a namorada o havia enganado. Haviam cortado sua internet. Não conseguia mais desenhar nem escrever e tudo que já havia feito, rasgou e queimou. Era tudo muito horrível ou tudo inspirado em grandes mentiras. Podem ter sido as mentiras mais bonitas que havia conseguido fazer com seus olhos fechados.
Cerveja, noite, baralho. Se esgota. Pra sentir que ainda há uma gota, daquilo que a lembrança tem que nunca será.

Imagem: Tristan