domingo, 4 de outubro de 2009

O olho clínico.

Minha bisnaguinha,

Foi numa tarde de sombra, de vento de sal, que eu o encontrei.
Subiu da terra, cuspiu as raízes, limpou o terno laranja e ajeitou os cílios. Entrou - como quem já havia preparado o caminho a milênios - no pequeno vilarejo de sensações, como quem acaba de entrar no trem e quer lugar na janela. Chegou sem fazer cerimônia, tomando nas mãos os melhores vinhos, fazendo perguntas sobre a dor, a fé, a vida e a morte.
E encontrou, no vilarejo, todas as dores do mundo. As mulheres que lavavam suas roupas a beira do rio largaram sua força - que se chocava contra as pedras - e choraram ácido, ao lembrarem de suas heresias, de suas mágoas, do que tinham feito e do que faltava de suas vidas. Os homens de frete, sentados com as pernas bem cruzadas, fumando um charuto vagabundo, se encolheram contra as paredes e sentiram o desabor de chorume na ponta da língua. As crianças travessas - de travessura, de criança - estavam sem barro, estavam com as feições diabólicas. Mas brincavam de morrer. Como se não houvesse amanhã.

Foi então que ele riu. E depois, ainda tirou um lenço verde de seu terno bem cortado e secou uma lágrima que nunca existiu. Ele, o olho clínico, havia criado pacientes, a quem doou sua repulsa. Distribuiu receitas e foi embora para dentro das raízes do vilarejo, de onde nunca mais ninguém o viu sair.

E desde então, eu já morri por muito menos.

20 comentários:

  1. Uma viagem ao centro do "eu", digna de um Lewis Caroll. Continue escrevendo sobre o "olho clínico", porque está indo bem.

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  2. fiquei meio boiando, não entendi direito, mas ...
    a narrativa é boa.

    vc disse no marmanjjus que foi mancada a foto do frango.
    acho que vc nem leu a receita pra fazer um comentário como esse que vc deixou lá.
    mas tudo bem. não dá nada. era uma piada na receita pra entender a foto.

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  3. belo texto, uma ótima escritora você!

    http://www.1lenin1blog.blogspot.com/
    http://www.1lenin1blog.blogspot.com/
    http://www.1lenin1blog.blogspot.com/
    http://www.1lenin1blog.blogspot.com/

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  4. Nossa, que inspiração..."como se não houvesse amanhã"...já cantaram...na verdade não há...

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  5. Nossa, achei o texto bem profundo! e muito bem escrito! O final foi perfeito: "E desde então, eu já morri por muito menos."
    bjs!

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  6. Logo que entrei nesse blog senti um pouco de medo, depois achei curioso, as imagens, os textos... Quando comecei a ler e gosteu muito da escrita!

    http://demeninaparamenino.blog.terra.com.br/

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  7. Gosto bastante de composição de textos e ótima escolha de imagens! Se completam!

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  8. E desde então, eu já morri por muito menos.

    a melhor parte^^
    apesar de eu ter boiado um cado

    www.hysteria-project.blogspot.com

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  9. Pensei no Abade Prévost dando uma de alienista... Bonito texto, mas não fique se morrendo tudo a toa q faz mal pras tripas.

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  10. num entendi quase nada! deve ser o sono... kkkk

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  11. Me diverti muito com seu texto!

    É leve e reflexivo!

    Sorte!

    http://identidade-cultural.blogspot.com/

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  12. Quando eu vi a imagem e a comparei com a do post anterior, nem imaginaria que o texto teria qualidade tão evidente. A parte em que seca uma lágrima que nunca existiu foi genial.

    Está de parabéns pelo texto! Brilhante!

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  13. Escreve super bem! E haja inspiração, hein.

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  14. Não sei se entendi. Que criatura era essa, algum diabo?!

    Muito bom!!!

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  15. Caramba!
    Que texto legal e ao mesmo tempo estranho
    Gostei muito

    B L O G - http://cerebro-musical.blogspot.com

    T W I T T E R - http://twitter.com/cerebromusical

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  16. Texto belissimo me identifiquei muito com o seu blog. Est´´a de parabéns. Sucesso.

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  17. Confesso que nao entendi mto bem, sou lerda pra interpretar historias, mas percebi ser um belo texto. Beijos

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  18. Aiai...

    Essa guria, se não morasse tão longe eu até me apaixonaria por ela...

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  19. Como assim "já morri por muito menos"? Favor esclarescer na recepção.

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