quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Medicina

A costela doía de uma forma que parecia ter sido dobrada tantas vezes a caber numa caixa de fósforo. Era o terceiro (segundo? quarto?) dia que não dormiam, que seus olhos de vermelho profundo embargavam cervejas e cervejas no primeiro bar escroto que conseguiram ver.

Estavam quebrados de anteontem. E ontem estava, há horas atrás, num êxtase supremo e solitário e coletivo frente ao show do Bulldozer. Primeira vez que estavam presenciando. Como se, apesar de todo cansaço, do corpo e do psicológico alquebrado por uma vida de decepções, perdas, expectativas familiares, dívidas e mal entendidos, estavam ali parados sentindo Fallen Angel bater nas suas peles e lamber sem nojo as feridas mais asquerosas que tinham no corpo. Não eram fracassados, colecionavam vitórias, não desistiam. Mas com frequencia a importância de suas conquistas eram questionadas, subestimadas.

 Agitavam como se sua vida agora tivesse um significado, por que ali havia encontrado um companheiro na simples matemática das ondas sonoras, que aceleravam sua caixa toráxica mais do que qualquer farinha que encontrasse nos áureos tempos da Paim.

Não saberiam explicar se perguntassem, mas era como encontra-se consigo mesmo por dentro. Aquilo representava suas adolescências, as primeiras decisões das quais não abriu mão, os primeiros objetivos pelos quais lutaram, a primeira vez que ouviu as guitarras italianas em um soturno grito de guerra, conversando com os mais inconscientes tormentos que haviam na sua cabeça.

E agora estavam no bar, novamente. Aguardando o segundo dia do festival de Guarulhos, com outros pra quem o significado daquilo parecia ser o mesmo.

Iriam ainda ficar mais loucos, suas mentes iriam se perder em um emaranhado de conflitos antigos e futuros, iriam melhorar e piorar e melhorar e ir embora no mesmo dia ou não e chegariam na hora no trabalho. Não antes de sentir novamente a sensação de ter suas feridas rasgadas e costuradas, de ver os amigos em situação melhor/pior, de não ver amigo nenhum, mas tudo bem, tinham também a si mesmos.

No fim seria tudo muito particular, eles e cada qual seu auricular médico psiquiatra. Ainda estavam de pé e sempre estariam, porque a suas vidas eram aquilo mesmo. Beberam mais um gole e mais todos até que acabasse e riram das piores piadas

E fizeram o mesmo, até uma data que ainda não chegou, mas é a única que poderá para-los.

Um comentário:

Olá. Você, sendo você mesmo, não é bem vindo aqui. Mas se você for qualquer outra pessoa, sente-se no chão e coma uma xícara de café.

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