terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Patrícia



Era um respingo de gente tentando alcançar uma lata de refrigerante, em uma prateleira baixa em Everest de sua nanice. Empurrou os pezinhos para cima, ficou de bailarina dobrando as unhas do pé sem corte, deu pulinho. Os dedinhos sujos se esticavam como podiam, mas só conseguiam abanar a bunda da lata.
O segurança do mercado passava distraído, fofocando com o cara do açougue.  A prateleira tinha um formato conivente com a menininha, escondendo sua posição e intenção.
Pouco tempo depois, já cansada, deu um pulo exagerado e acabou derrubando parte da prateleira, fazendo um barulho dos diabos. O segurança olha, vem rápido; a menina vê a lata rolando mais adiante. Pega o refrigerante, esconde debaixo da camiseta e sai correndo com as borrachas do chinelo fazendo estardalhaço no piso do mercado. As pessoas em volta, pegas pela situação de surpesa, ficam atônitas. O segurança grita qualquer coisa, ensaia uma corridinha atlética, mas logo se abate pelo fôlego da menina. Se volta para o agougueiro, diz qualquer coisa com "não tem jeito" e volta a falar da roupa de ontem da menina do caixa.
As borrachas do chinelo correm o centro de São Paulo. Na ânsia, assim que se viu segura, abriu logo a lata e jogou todo o refrigerante no chão. Aquela marca era boa, lata mais resistente do que as outras.
Futucou do fundo do bolso tronxo da calça e achou a meia pedra que se abrigava no enrosco da costura. Dobra a lata, coloca a pedra e dá uma paulada.

Não dormiria naquela noite. Não dormiria na noite seguinte. Ela será encontrada largada torrando no sol em alguma calçada. Mas não dará pra ter certeza se é mesmo ela.

3 comentários:

  1. Meu amor, quando perguntarem qual é a sua profissão, qual é a sua, o que você faz, quem você é, diga: escritora.

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  2. Concordo com a Luciana Lima.

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  3. Não lembro se fui eu quem já havia comentado isso, (pessoas muito melhores e piores que eu já o disseram, é uma verdade). Concordo com a Luciana Lima.

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Olá. Você, sendo você mesmo, não é bem vindo aqui. Mas se você for qualquer outra pessoa, sente-se no chão e coma uma xícara de café.

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