Solidão

Você chegará na sua casa e não haverá voz nenhuma. Não haverá recepção e a sua fome só você poderá dar um jeito nela. Não haverá companhia para jogar, para ajudar a secar a louça, para contar o que houve no seu dia. Se você chegar com compras, terá que dar um jeito de abrir a sua porta. A limpeza é diária, não pode haver preguiça e é toda sua. Vai ter que sair molhado do chuveiro e passar frio se antes do banho esquecer de levar a toalha. Se sua comida sair espetacular, será um segredo entre você e sua fome, entre você e o tempo de ela estragar. Seu despertador não pode dar defeito. Seu celular, por mais que o odeie e o tenha vontade de taca-lo na parede, deverá sempre estar carregado. Um móvel que quebrar, a roupa suja, a meia embaixo da cama, a poeira do piso, os papéis que você rabisca, você, você, você.
Sem elogios. Sem espectadores, Inaudível, invisível, secreto por trás da cortina e da porta de ferro, fechada e trancada.
A verdade é que os vizinhos não pedem xícara de açúcar emprestada. Que não tirar o pó ataca sua rinite. Que se o frio atacar no meio da noite, você vai ter que se levantar e buscar a sua manta. Não há encontro de pés, senão os seus duros e gelados. O gelo a se quebrar é o da geladeira, de tempos em tempos.

Você chegará, não vai ouvir nada, a não ser que você coloque um som pra tocar. A não ser que você chame uma visita para jogar cartas e faça um almoço. Vai usar a meia furada com o chinelo horrível, quando  for o que estiver mais confortavelmente a mão. Vai falar só, descabelada, cantar sueco errado no chuveiro, comer todas as cretinices que quiser e beber as pingas mais escrotas que houverem. Quatro paredes alforriadas, onde cada ação é um triunfo libertário. E apenas a não ser que você não queira, o que terá é seu silêncio de algodão, afofando seus ouvidos e dando sabor ao seu chá das cinco.

Linda e nua no seu sofá estará a solidão, companheira silenciosa de todas suas vontades.