quinta-feira, 12 de abril de 2012

A dez reias da dignidade.



A jaqueta era do caralho. Parecia mexer as manguinhas toda vez que ela passava por ali. A comida daquele restaurante parecia ótima e o filme em cartaz, que tinha preço de 7D, parecia sensacional. Aquele sapato era do jeito que ela sempre quis, a câmera não estava tão cara, aquela camiseta, o fone de ouvido decente, o amplificador satânico, a cachaça, o show, o bolinho de bacalhau, o espetinho de camarão...!
E os livros, que se acotovelavam pela atenção oferencendo seus títulos e bagunçando seus preços nas prateleiras.
Ela ia, em cada lembrança de vitrine, muchando o ombro e questionando o valor de seu trabalho. Não poderia seu esforço ser ridicularizado por suas necessidades. Se sentia merecedora de cada vontade, até mesmo daquelas que jaziam solitárias no fundo de suas gavetas.
Pois seu salário, fresco de ontem, e investiu em tudo que se lembrava e mais o que ainda viu; e ainda suas cachaças, todas elas, entupidas de limão e groselha.
Dia seguinte, saldo de menos um no bolso. A sede e a fome era do inferno. Juntando os dois, daria 10 reias. Pôs o pé na rua e olhou vitrine ou outra, porque claro que ainda haviam coisas que a interessavam, mas sentia como se isso fosse normal e sadio, sem aquela importância.

O ombro começou a muchar, a barriga a encolher. Depois de tudo, estava a dez reiais da dignidade. E estava tão quente, que nem dava para usar a jaqueta.

2 comentários:

Olá. Você, sendo você mesmo, não é bem vindo aqui. Mas se você for qualquer outra pessoa, sente-se no chão e coma uma xícara de café.

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