Por aí na escala Hare.

Macapea
Não gostava de gente e não gostava mesmo. Eram todos muito indelicados com ela. Mas era tão boa, a moça; não raro estava salvando o mundo com o seu chicote mágico, as crianças da fome e os homens do espancamento no lar. Mas sonhava em encontrar aquele cara que a iria amar mais que tudo apesar de ser tão feia. Isso seria quando ela invadisse a sala de reunião do chefe e falasse tudo o que ela queria dizer, que havia tanta coisa injusta, salários ridículos, equipamentos ridículos. E o patrão daria razão, daria aumento, daria reconhecimento - toda a firma ia olhar pra ela - e daria a oportunidade de aquele cara olha-la diferente. Ele a chamaria para jantar. Ele chama. Agora. Enquanto ela descasca cebolas e olha para o nada, sozinha com seu chinelo amarelo-horrível na cozinha.

Cecília
Mora sozinha. Tinha alguns amigos, ela era legal e conhecia algumas coisas, mas não conseguia desculpar uma mancada. Não se admitia errada quando estava, achava que a pessoa tinha mais era que entender que ela estava sem graça por fazer bobagem. Foi perdendo os amigos porque não confiava neles. Não por nada, só não podia. Ela não era boba, disso ela tinha certeza e ninguém nunca iria faze-la de idiota. Ela ia se ligar antes. Antes até mesmo de pensarem em fazer mal a ela.
Uma vez um amigo emprestou um filme. A vilã era igualzinha a ela, era uma indireta. Ou não. Mas ela não poderia viver com a dúvida. Mas vai continuar vivendo e sua cabeça vai continuar não deixando que ela se livre dessa sensação de que é constantemente passada para trás.

A ruiva
Ela não se importa com porra nenhuma porque ninguém merece isso. Ninguém nunca vê o lado dela. Ela está é certa estando errada porque não pediu pra ninguém segui-la ou confiar ou que merda seja. E é assim e é isso mesmo, vai ficar bêbada, vai quebrar a palavra e os compromissos, vai te chamar só quando for conveniente. Vai roubar a sua carteira e vai sorrir para você no dia seguinte. Afinal, ela gosta de você. Ou ao menos, parece muito. Ela é inteligente e sempre faz você parecer errado, mesmo quando tem certeza que não. Talvez você esteja, ou talvez ela seja a ruiva.

Camilo
Ele te ama e dentro de poucos segundos você vai dizer algo que não pensou direito - ou que pensou e era para ser a coisa mais linda do mundo - e Camilo vai voar no seu pescoço e gritar com você, antes ou depois de uma crise de choro. Em seguida, ele vai te beijar como ninguém nunca te beijou e pedir para que você fale da esperteza dele. Se não falar, ele se isola e fecha a cara. Se falar, ele grita que essas coisas não são para serem pedidas, que são para serem logo ditas e o quanto antes! Isso antes ou depois da tentativa de suicídio. E o suicídio pode ser depois ou pouco depois do pedido de desculpas.

Luis
Ela falou que ia largar dele e ele se jogou no meio da sala, dizendo que era para ela ir embora logo, que ela fazia de propósito que sabia do problema que ele tem no pulmão, que não pode passar por estresse que desencadeia a maior dor do mundo. Ele, logo ele que tinha feito tudo, saiu pra trabalhar, arrumou a cama, tomou banho e até lavou a louça. Ela não reconhecia nada, filha de uma puta. Mas ele ainda estava estendido no meio da sala, se contorcendo e dizendo que ela era uma puta gorda que o abandona quando ele está na pior. Mas ela vai embora e ele se levanta reclamando. Amanhã ele troca outra idéia.

M.
Era sempre o último. Não sei como não tinha dor nas costas de tanto que andava curvado, sempre com as mãos no bolso. A eterna postura do cachorro magro e besta que faz graça pra conseguir um afago. Gostava de cheirar porque os caras davam atenção e até cercavam a mesa onde ele sentava. Sabia que era interesse, mas eles devem gostar dele nem que seja um pouquinho. Ele perguntava se não estava sendo um otário. Se a piada havia sido engraçada. Se ele não estava incomodando. Se ela reparou nele a noite toda, ou só foi porque só havia mesmo sobrado ele.
Nem sempre eram gentis e respondiam mentiras.

Larry
Ele era mesmo muito foda, mano. Ou pelo menos, era assim que ele andava, de nariz empinado, desfilando no meio da rua, tratando qualquer um como lixo porque ele podia, podia era tudo. O melhor no que quer que fosse e tinha que ser, senão era como uma humilhação. Era como se alguém pudesse ser mais que ele. Falava alto e em tom de deboche. Apostava e apostava alto, perdia e caralho, que vergonha.
Mas ele era foda e quem quer que discutisse com ele era um perfeito ignorante, ele sabe o quanto estudou e o quanto é melhor do que qualquer um daqueles idiotas. Quem não visse isso só poderia ser mesmo um cretino imbecil, um verme.
E de fato, eram todos vermes. Eles viam a verdade, Larry.

Cibele
Sentia-se porca porque não conseguia deixar a mão suficientemente limpa. Nem a casa. Os móveis. Sempre estava em desordem, olha lá, os livros. Meu, ela já tinha falado que é para colocar os livros por ordem de tamanho, se tem o mesmo tamanho, por tipo, se são do mesmo tipo, por cor. Como podem olhar para isso e não sentir uma gota de incômodo? Gente porca. Gente porca mesmo, porque eles arrumam, limpam e limpam e ela ainda se sente num chiqueiro vendendo a merda.