terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Cecília.



Era a porra da paranóia, que mal deixava ela pensar. Estava tomando banho olhando as gotas caírem na cara e nas pontas dos dedos. Tudo era nas pontas dos dedos, pensava. Não havia nada que pudesse ter certeza absoluta que jamais a decepcionaria, que não a trairia. Nada que pudesse confiar além do seu cérebro trilhando bifurcações das piores probabilidades que existiam de cada situação. A ponta do dedo ensopando de sabão. Escorregando. Um calor do caralho lá fora, a água agradável mas o rosto quente, a cabeça torrando de dúvidas. Eram fatos. Pequenas coisas. Piadinhas desnecessárias. Uma forma de olhar, de falar. E destes pequenos ingredientes, ia se formando seu bolo de desgosto mastigando-a e se mastigando, sem engolir, se decompondo em raiva. Uma filha da puta de uma raiva.
E de tantos banhos dessa mesma forma, ela foi presenteada com um par de lentes de contato, que a permitia ver todas as situações onde era citada, mesmo longe de sua vista. Agradecida, sentiu uma alegria que há tempos não sentia por um instante se sentiu em paz. Ia saber, finalmente, sobre suas suspeitas; ia descobrir tudo. Ninguém mais a enganaria.
Mas assim que serviu-se das lentes, começou a ouvir coisas horríveis. Sobre a paranóia dela. Sobre o que ela causava nos outros e como os outros a respondiam. Quando pensou em romper todos os laços dessas amizades, percebeu que as pessoas se contradiziam; e mesmo com os fatos em mãos, ela jamais saberia o que de fato as pessoas pensavam e sentiam por ela. Só o que falavam, se contradizendo e relevando.
Ainda hoje ela usa a lente. Ela acha que sabe e entende tudo. Que está a frente da maledicência.

E as pontas dos dedos ainda escorregam.

12 comentários:

  1. ahaaan! tudo agora está claro!
    como meu cérebro não percebeu isso antes?
    não tinha mesmo o menor sentido ...
    como haveria de ser?
    uma cega invencivel na sinuca? haha lentes de contato!

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  2. não existe nada que mereça total confiança nem total desconfiança. nem politica, nem religião, nem teorias, regras, nem pessoas, seja quem for. Se preocupar de mais com isso é um caminho para paranoia. penso penso que caminho de paz é ter cautela e jogo de cintura com essas porras todas, cabreiro sempre (principalmente com mecânicos rs). o tempo é que é absoluto e nao para. acertamos aqui hoje, erramos ali amanhã, aprendemos um pouco aqui, um pouco ali ... sagrado mesmo, só o Coringão rs

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  3. *caraio, penso só uma vez (quando penso) he.
    e chega, merda, cadê os outros fregeuses dessa espelunca? rs

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  4. E estes olhos, que não param nunca?...

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  5. Compreendi a lição que há nesse texto. Realmente há vezes que é bom não sabermos, nem vermos nem ouvirmos nada...

    By: Faster
    http://www.taiteilijan.blogspot.com/

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  6. Muito legal!
    Realmente não dá pra saber o que se passa no interior das pessoas, o que a gente tem é uma leve noção de quem somos e de quem são.

    Abraços!

    http://vivereler.blogspot.com/

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  7. Muito bom, vai ver não existe aquilo que podemos saber com o que é dito, mas só com o que é sentido de maneira mais profunda. Isso não é pensado racionalmente, é inconsciente.

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  8. Paranóia
    nóia
    nóia
    nóóóóóóóóóóóóóia

    ia
    para.

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  9. esse texto foi meio profético ou vc anda vivendo as mesmas coisas q eu? sumiu, cachoeira! por onde vc anda? espero que as coisas estejam bem. vou rezar por vc. um beijo. gabi.

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  10. Olha, muito belos os seus textos. São de autoria própria?

    Esse em especial tem muito sentido. Estou te seguindo, poderia seguir tbm.

    http://sexoalcoolpoesia.blogspot.com/

    Vou acompanhar seus textos.

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