sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Regina.



Não só parecia e cheirava como muquifo. Era um muquifo.
O dono do aluguel falou que a outra moradora acabara de sair de lá, mas aquilo parecia longe de ter sido habitado pelo menos nos últimos 458 anos. Entrou e viu a parede comida, por uma espécie que não conseguiu e tinha medo de conseguir identificar. Jogou a mochila no canto, pegou a chave, trancou e saiu dali, deixando suas coisas a própria sorte. Saiu pra comprar desinfetante, panos e vassoura. Umas cervejinhas também. Voltou. Ia começar a limpar, mas bateu uma pregüiça incrível assim que foi tirando as coisas da sacola. Bocejou. Abriu uma latinha, se sentou encostada na parede e acendeu um cigarro. Tinha uns trabalhos pra fazer, mas dane-se.
De repente, ouviu um soco na sua porta. No susto, lavou-se com cerveja. Quando foi analisar a porta percebeu que a tranca não era muito resistente. Gritaria do lado de fora. Outro soco. Parece que um cara tinha acabado de chegar bêbado em casa e a mulher do bêbado estava descendo o cacete no elemento, contra a sua porta. Com o ouvido na parede, ela começou a conhecer a vizinhança; de pouco em pouco, saía um morador do cortiço pra se intrometer na briga.
Tinha mesmo que ser essa gentinha classe baixa. Se a mãe tivesse continuado a pagar sua mesada, podia alugar algo melhor e não pagar duzentos contos e ainda trabalhar como telemarketing. Fora a escola, fora o filho que ia nascer daqui a uns meses, ela nem sabia direito quando. Mas tudo ia se resolver quando o pai do filho voltasse; ele disse que voltaria.
Outro soco na porta. Gritaria, palavrões. Agora parece que a mulher estava com uma faca. Tsc, povinho pobre horrível. Não ia agüentar dormir com aquele barulho todo. Meteu a mão no bolso. Lá estava ela, nem era tão pequena. Pegou a latinha da cerveja, dobrou um pouco, fez um furo com o lacre e jogou as cinzas do cigarro. Jogou a pedra e deu a primeira paulada.
Pá! O olho arregala, o músculo enrijece, parece que não vai agüentar a pressão, quando o cérebro sente o efeito do crack. Outra paulada. Pá! Ela muda um pouco a fisionomia. Na verdade, ela mudou muito a fisionomia.
E que porra de gritaria é essa, vinda do lado de fora? Batendo na porta? Filhos da puta.
É então que ela já sai no soco e vai brigar, junto com a vizinhança.

13 comentários:

  1. Otimo teu texto!. Fiquei pensando se a briga iria se "deslanchar" pra dentro do apartamento... mas já presinto que é só delirio do Crack.

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  2. Droga, ainda tinha esperanças de que ela não se misturasse. (Mentira, era isso mesmo que eu queria).

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  3. Hey, menina! Adorei o texto... Vc escreve muito bem e tem uma boa imaginação! Fora que é bem detalhista também... Eu gosto desse jeito de escrita pois faz o leitor imaginar cada passagem do texto. Parabéns!

    bjão!

    PS: Obrigada pelo coments no meu blog!

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  4. Você consegue escrever um bom texto baseado em algo totalmente corriqueiro do cotidiano, envolvendo temas muito polêmicos. Hoje, foi a desestrutura de Regina, ontem Marília. Aliás, li o texto tbm e achei forte, bem freudiano.
    Parabéns.;)

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  5. É exatamente isso que gosto de ler. O hoje transformando em arte. O invisível ganhando destaque. E também a vida como ela realmente é sendo mostrada tão de perto.

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  6. seu texto é excepcional. Falo isso por um motivo só. Você fez com que eu imaginasse perfeitamente o que aconteceu. Parabéns!

    http://assuntosdenina.blogspot.com/

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  7. Interessante seu blog , gostei das postagens
    ameei esse post mesmo estou te seguindo .

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  8. Jane correndo pra eu... hum, sexy....

    "Outro soco na porta. Gritaria, palavrões. Agora parece que a mulher estava com uma faca. Tsc, povinho pobre horrível."

    Adoro brincar com estereótipos... ou falar sério ou apenas citar ou apenas transformá-los em....


    ARTE.

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  9. O texto vale pela criatividade, mas ainda precisa melhor em muitos aspectos, principalmente nos seus vícios de linguagem q vc insistentemente leva para a narrativa... mas no geral está bom, continue treinando q a tendência é melhorar.

    Parabéns pela iniciativa.

    http://mikaelmoraes.blogspot.com
    sigo quem me segui
    comento quem comenta
    mas se me visitar não fuja do tema

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  10. ótimo texto com uma representação mto loca rs

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  11. Mikael,
    Não sou um ás da gramática, mas usar linguagem coloquial nos meus textos é proposital. Se eu escrevesse toda pomposinha falando das coisas marginalizadas que eu costumo falar, a escrita ia ficar longe da idéia.

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  12. Não vou falar que você escreve muito bem, porque isso todos estão dizendo e você já sabe!

    Sobre a história é realmente um retrato de um cotidiano atual, infelizmente: mulheres grávidas, viciadas e abandonadas pelos companheiros.

    "A violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais"

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  13. Ótimo texto, adoro suas abordagens.
    Crack é a praga da humanidade.
    Moro em SP, onde "pega" mais essa merda.

    abç
    Pobre Esponja

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