terça-feira, 27 de julho de 2010

O cotonete, Político e Apolo



Apolo
Que acordou com o sol na cara e a formiga pinicando o braço. Menor idéia da hora. Não estava com frio, mas deu falta do cobertor roubado. Levanta, tenta assear a roupa como pode, dá um jeito no cabelo. Fome. Vasculha a mochila, parece que alguém havia dado um pacote de bolacha. Mas nada acha, só o cheiro de suor da calça guardada com a água da chuva. Mochila nas costas, anda-te.
Acha uma bituca quase inteira no chão. Passa um cara fumando, pede fogo. Acende. Fuma.
Aquele restaurante, deve estar pra fechar. Estava. Já havia dado uma idéia outras vezes. Fala da fome, pergunta se sobrou algo. Marmita boa, massa com queijo e camarão. Come, come. Dá uma volta e pensa no que fazer. Dinheiro. Talvez cate umas latinhas. Já é tarde para distribuir panfleto. Anda, pensa. E então acha, em cima de uma mureta, seu cobertor, mas estão usando. Dormem. Do lado, tinha uma mochila. Pente, gilete.
Vai pro terminal, banheiro. Lava o cabelo na privada, dando descarga. Faz a barba. Melhora bem. Vê um conhecido. Conversa, tédio, cachaça. Ri, ri, ri.
Mas tédio.
Despede-se, vai manguear uns trocados. Dá uns reais, quase cinco. Acha páginas de jornal no chão e algumas revistas no lixo, na frente de um condomínio. Legal, caça palavras e cruzadinha. Bate o olho nas manchetes, coisa ou outra de interesse. De revista, coisas legais. Nunca havia lido sobre ufologia. Mochila.
Aquele bar, acho que já abriu. Gente conhecida. Soube que, no sábado, fulano morreu na facada. Pena, cara firmeza. No meio das pessoas, tenta ser agradável. Do que leu no jornal, faz suas sacadas. Ganha cerveja, chamam pra sentar à mesa. Faz uma ou duas boas piadas. Entende de música, joga sinuca bem, fala inglês, entende algo de cinema. – assiste e lê tudo o que pode – Não esconde como vive. Dó.
Pagam cerveja, pinga, lanche, cocaína. Oferecem até puta. Bonitinha até, mais se não fossem os dentes que faltam bem na frente. Viciada em crack, quer lugar pra dormir. Moído, mas é boa idéia. Ao menos tem onde ver televisão e tomar banho. Hotel, puta. Come, vê TV, dorme. Acorda no meio da noite, meio bêbado. Paranóia, paranóia. Precisa sair um pouco.
Quase cinco contos. Um maço de cigarros. Encontra conhecido, saquinho de cola, R$1,00.Nem tava a fim, mas fizeram tanta questão que pareceu indelicado recusar. Paga outro pro cara. Anda.
Um menino mangueia um cigarro. Outro. Uma menina. Outra. Cigarros pra todos eles. Homem vacilando com celular à frente. Rouba. Não vai fazer nada com aquilo, precisa vender. Mas não vai na cracolândia, vai dar vontade de paulada. Volta pro hotel, vermeolhando bichos, ele mesmo parecendo um.
Mas já é tarde, a puta havia ido embora. Tem fome, sem dinheiro. Volta pra onde achou sua coberta. Tá lá, sozinha. Enrola-se e dorme. Um dia de cada vez.

O cotonete
Tirou o que estava grudado no ouvido e ficava a fazer eco. Incomodava lembrar. Agora é feliz sabendo que pode se livrar de desagrado, sempre se livrando da mesma lástima.

Político
Eu verticalizei a cidade para caber mais eleitores. E prometo verticalizar as idéias para caber menos opinião. Obra, cimento. Prisão. Parede oca, sala vazia, mesmo tão cheia. Faculdade pra todos. Socialista – reforma agrária, só na margem. Saco da mesma farinha, amarra e guarda pro ano que vem. Lá dentro, tosse, gripe, morte, suicídio. Cria a miséria, para ter a problemática e então, ser aplaudido por boas respostas. O saco virou estado e país. Parece que todo mundo é a mesma coisa. Não só eles. Nós.

11 comentários:

  1. Independente da altura que estiver, sempre vai poder olhar pra cima e para baixo, e nos dois casos, só vai se sentir pior.

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  2. maravilhoso poema, olha eu tenho um poema que esta concorrendo em um concurso que até é parecido se chama a voz dos objetos amei o trecho do político verticalizando idéias para caber menos opiniões

    Estou concorrendo na categoria Literatura no concurso da Comu Eu tenho um blog com o blog tallesazigon.blogspot.com ^^ se gostar vote em mim abraços

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  3. Como um inconsciente bulímico.
    Vomitando os significantes de verbetes outroa lembrados. Lembras os intimistas, mas sem lamúria.
    ..
    Gostei, se quer saber.

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  4. Muito bom o texto, super criativo com mtas ideias e tão rapido que em algumas partes eu tive que voltar para ler para nao me perder hahaha. Cara vc é mtu talentosa. Parabens!

    se vc quiser conhecer meu blog: www.catincollege.blogspot.com

    bjuuss

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  5. nossa, muito bom o texto. A parte do Apolo me recordou "O meu guri" de Chico Buarque, tentei até fazer uma paralela com a música enquanto lia IHADA, criativo, direto e real. parabéns.

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Olá. Você, sendo você mesmo, não é bem vindo aqui. Mas se você for qualquer outra pessoa, sente-se no chão e coma uma xícara de café.

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