terça-feira, 5 de abril de 2022

Súbito

acordou correndo a casa estava sendo invadida não conseguia pensar no que deveria pegar ou em que ordem saiu do jeito que estava pela janela ouviu barulhos altos e carros pegando fogo gente em todas as direções correndo na rua os postes sem luz. viu nesse meio tempo pelo menos três pessoas sendo mortas na porrada e outras correndo com pedaços de cano, cabo elétrico, girando pneu de carro ladeira a baixo, concha de pegar sopa na cara do filho mais novo do vizinho. não tinha amizade com ninguém não tinha familiar próximo pensou em correr para algum lugar inacessível e de lá pensar melhor no que faria depois. subiu em um prédio próximo de uma perfumaria e não muitas pessoas haviam tido a mesma ideia. de cima viu: os mercados sendo saqueados, caixas eletrônicos destruídos, idosos e crianças pisoteados, mulheres e homens se espancando freneticamente. aproveitou a sombra de uma caixa de energia e se acocorou ali, estava sozinha, parecia ali um ótimo ponto cego, talvez conseguisse dormir agora e quando acordasse quem ainda tivesse vivo poderia estar dormindo. pegou no sono e mais ou menos três horas depois teve a cabeça aberta por um pedaço de porta de vidro de hospital.


                                   
estava em um atendimento pelo telefone e viu abarrotar de gente na escada em espiral, todos subindo  como uma serpente da morte até o andar superior. os telefones foram arrancados de suas mesas, os fios estrangulavam quem havia sido pego de surpresa. cadeiras, lápis, canetas, cintos, lentes de óculos, dentes, unhas, tudo ali virou uma arma de um segundo para outro. só havia uma porta naquele andar. ele urinou um pouquinho, antes de ser atingindo por uma divisória e ter o pulmão perfurado por uma faca de cozinha.




pulou no carro e bateu com força no vidro, o motorista acelerou e fez uma curva, jogando para o outro lado da rua. se ralou inteiro, o peito ficou exposto em osso e sangue, mas as mãos, braços e cabeça ainda se sacodiam e agrediam o próprio asfalto. deu uma cabeçada de boca aberta tão violenta no chão que afundou a parte superior da gengiva pra frente dos dentes, fraturando a mandíbula e o crânio. não conseguia se mexer e desmaiou com a dor, morreu horas depois atropelado por um caminhão que perdeu o rumo.



estava no chuveiro quando acabou a água saiu reclamando e foi sentindo algo diferente, saiu nu pelas escadas do prédio com uma vassoura que estava no box do banheiro e batendo na cabeça de todas as pessoas que foi encontrando pelo caminho. na frente do prédio havia um açougue, estava apinhado de pessoas que se confundiam com as carnes a serem vendidas no balcão. foi direto para o interior do lugar mas encontrou um funcionário que desceu o facão na perna e o jogou para dentro do frigorífico. lá dentro tinham outras pessoas, o funcionário jogou a faca e fechou a porta. havia gente com vidro, facas e espetos na mão, o lugar se tornou uma arena, pedaços de carne e sangue voando e grudando nas paredes e no teto, ossos aparecendo e gritos que ninguém ouviu do lado de fora. fraturas expostas, tripas e miúdos do corpo se amontoando no meio do lugar, olhos rolando pelo chão, cabelos usados como cordas, dentes cravados em rostos e pescoços, gargantas abertas espirrando feito chafarizes não durou nem uma hora até que virasse tudo uma grande massa bolonhesa com poucos pedaços distinguíveis.

2 comentários:

  1. "Silvana! a agenda! você precisa me trazer aqui a agenda! rápido! por favor, Silvana a agenda[...]!"

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  2. Dica do seu amigo Franco:

    https://clubedeautores.com.br/

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Olá. Você, sendo você mesmo, não é bem vindo aqui. Mas se você for qualquer outra pessoa, sente-se no chão e coma uma xícara de café.

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