terça-feira, 11 de junho de 2019

Ciro

Tinha trinta e sete reais no bolso. E àquilo se resumia seus rendimentos de uma semana. Ouvia uma música ruim, parado em uma calçada da rua Avanhandava. O sol estava muito forte e havia muita gente enfiada em roupas coloridas subindo e descendo e sorrindo para suas próprias brisas loucas dentro de suas cabeças. Só queria chegar até o fim da rua.

Comida.

Olhou para as barracas e tudo era dez reais. Ou mais que isso. As pessoas diziam: "débito!", "Crédito". Seu cartão de crédito estava, naquele exato momento, atingindo níveis loucos e insuperáveis de juros, como um animal selvagem que corre num campo sem se importar se um dia voltará ao seu lugar de origem.

Voltou sua atenção ao fim da rua. Aquela rua não era tão comprida, mas sentia como se já estivesse há mil horas sentindo o cheiro de merda daquele monte de gente. Não parecia fazer sentido que todas elas cheirassem a merda. Talvez fosse ele.

Foi subindo devagar. A idade já tinha chegado faz tempo, mas se recusava terminantemente a admitir. As pessoas emitiam um som único, como uma vibração que o repelia. Mas ele conviveu com aquilo a vida inteira e ainda estava ali, com sua condição humilhante, expondo os danos de uma história de luta e de coragem que ninguém quer saber. Nem ele mesmo. Já esqueceu de parte delas. Quando jovem achava que um dia encontraria velhos amigos em uma padaria e recontariam histórias dos grandes tempos, que jogaria dominó e ganharia, que dançaria com alguma senhora em algum baile com músicas do seu tempo, que teria uma moto incrível e faria uma viagem na Cordilheira dos Andes. Ele tinha certeza que faria essa viagem.

Subiu mais um pouco. Agora estava quase no fim da rua. Tentou lembrar o nome de algum amigo e só agora percebeu que não lembrava o nome de nenhum. Lembrava de alguns rostos. De algumas situações. Tentou lembrar a última vez que tinha feito algo que tinha realmente vontade e o máximo que conseguiu foi recordar que, quando criança, subia em árvores muito altas quando queria ficar sozinho. Olhou para os prédios, eles eram muito altos. Morava em um deles. Voltou para casa.

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