Rasga essa porra logo, pensava enquanto via a lentidão absurda que aquele homem dedicava a abrir a embalagem para presente. Um durex por vez, retirando devagar para não tirar a tinta do papel. Desdobrando as cuidadosas dobraduras com cuidado. Ela ficava impaciente e olhava. Impaciente. Durex. Impaciente. Dobradura. De repente, o homem começou a andar e se afastou. Uns quatro metros para frente, parece que conseguiu abrir o embrulho.
Ela imaginava o que seria. Era quadrado e pouco maior que a mão. Tinha uns quatro dedos de espessura.
Talvez uma caixa pra guardar alguma coisa.
Foi difícil chegar nessa conclusão, não estava acostumada a ter coisas pra guardar.
Ainda pensava no embrulho. Pensou em um bolo confeitado, de mercado. Imaginou se as pessoas comiam os confetes cheias de frescura, como o cara que abriu o embrulho. Ou se mandavam tudo pra dentro, rasgavam os pacotes todos, como ela faria.
Ficou ali na calçada, a tarde toda, tentando adivinhar o que havia dentro das sacolas: tênis, roupas, lunetas, livros, brinquedos, vinis. Brinquedos. Que tipo de brinquedos faziam agora? Seriam todos eletrônicos, brinquedos que brincam sozinhos? Ainda vendiam vinis e livros?
Roupas futuristas, que se limpavam sozinhas, que vestiam sozinhas? Comidas prontas em latinhas?
Fazia mais de cinqüenta anos que estava morando na rua. E sentia - mas não lembrava - quando viu uma TV ligada pela primeira vez, na casa de um padastro escroto.
Era a porta do shopping mais elegante da cidade. Ela não sabia mais de que lado havia fugido. Tinha dificuldade para reconhecer rostos e lembrava só da fome, quando ela gritava na sua barriga. O segurança olhava para ela com uma expressão assassina. Ela olhava para as sacolas e seus presentes. Todos ela podia imaginar do jeito que quisesse.
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Surpreendente.
ResponderExcluirAcho que é obrigação do escritor dominar o leitor e fazê-lo ler até o fim, como uma mãe que obriga o filho a comer toda a papinha insossa.