terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Desejo de Natal



Eles se conheceram em um bar qualquer no centro da cidade. Se apaixonaram quase de imediato e resolveram amar-se à luz das estrelas cobertas de poeira, antes que qualquer pudor falasse mais alto. E antes que algo mais pudesse ser dito, casaram regados a amor e a cerveja barata, numa cerimônia de amigos. Juntaram os panos e foram para a mesma morada. Não houve muitos prós e contras acertados; não houve tempo para maiores descobertas. Eles se amavam e isso a eles bastava.
Mas já fazia 29 dias que ela havia saído para comprar cigarros. Já fazia 29 dias que ele se contorcia sozinho de frio quando o vento batia por baixo da porta, sem conseguir dormir, tentando imaginar por onde ela estava. Não era possível que após tanto tempo, só teria sentido toda aquela alegria apenas para que depois fosse fatalmente privado dela.
Faltava apenas uns minutos para a chegada do natal. Não tinha família para comemorar a data que o acercava. Os amigos, ao contrário, tinham. Mas ainda restaram alguns orfãos, que o haviam chamado para passar o natal em alguma fuleiragem pela cidade. Ele não queria. Ele estava cansado de ter o coração apertado, de em todos os lugares procurar sem encontrar, indiferente se possíveis ou não. Estava com a preocupação a espirrar longe, o que deixava qualquer um sensibilizado.
Foi quando saiu de sua casa, transtornado de tristeza, com o relógio contabilizando 5 minutos para o badalar da meia-noite, que saiu mais uma vez em busca da amada, ou de qualquer coisa que a lembrasse, de qualquer informação. Mesmo que fosse para vê-la de relance, mesmo que fosse para vê-la com outro, se fosse o caso. Mas o seu desejo de natal era que a visse e retirasse logo aquilo que lhe ardia no peito.
Foi quando viu a inconfundível silhueta, andando no meio da rua, parando de pouco próxima a uma mureta. Ele acelera e vai ao seu encontro, com o sorriso fora das medidas, preparando-se para dar um ramalhete de perdões, com um convite para a modesta ceia estava à mesa, aguardando a chegada dela.
Mas aquela mulher jamais ouviu aquele homem. Quando ele cutucou aquele cobertor que a encobria, a mulher lhe vira os olhos agitados e esbugalhados, meio trêmulos, olhando para os lados, compulsivos. Com a boca entreaberta e as mãos agarradas a manta. O cheiro de crack transbordava de seu suor e de seus cabelos pretos desengrenhados. A calça jeans suja estava com o zíper aberto e o sutiã, arrebentado.
Cai um temporal. O homem volta a sua morada, vendo de longe a água carregar a porta improvisada de papelão. O panettone e o frango conseguidos durante a semana após distribuir folhetos recheavam-se de chuva e seguiam curso bueiro junto com a alegria que se imagina ter ao ver o brilho dos fogos de artifício, que exibiam-se no céu.

12 comentários:

  1. Adorei o título do blog!

    Quero achar o que não perdi rss...

    Feliz Natal!

    ResponderExcluir
  2. Esta é nossa realidade, cheia de vicios, cheia de empasses.
    Já vi 2 historias reais dessas, um viciado , e outro q saiu apenas para comprar cigarros, e é isso ai, esse cigarro deve ser importado pois até hj nunca voltou. O natal, é o capitalismo em si, mas para mim é apenas uma data para festejar...festejar o que? Apenas que sobrevivi a mais um ano!


    Boas festas!

    ResponderExcluir
  3. Eu estou no breu , muito loko esse blog fala muito sobre o lado secreto das pessoas

    http://lucrocomptc.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  4. Intrigante! Atual! Uma estoria... um romance regado a imaginacao de uma droga.. de um momento perdido no tempo. Vc escreve muito bem! Passe no meu blog, acredito que tb irah gostar.

    http://rumosritmosrelatos.blogspot.com/

    Abrcs

    ResponderExcluir
  5. por isso que eu digo sempre:
    - Escreveu e não leu? Si fudeu.

    ResponderExcluir
  6. adoro este tipo de texto, as emocões do lado obscuro da vida, na rua, em bares e com todos os mseráveis humanos.

    ResponderExcluir
  7. Texto com cheiro de crack, abandono e dor. Adorei!

    ResponderExcluir
  8. Como Você consegue atingir certos cantinhos...

    ResponderExcluir

Olá. Você, sendo você mesmo, não é bem vindo aqui. Mas se você for qualquer outra pessoa, sente-se no chão e coma uma xícara de café.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails