segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Junior

Pagou a passagem. Não pagou tudo: tinha dois reais e algumas moedas, que evitou contar para que ninguém contasse junto com ele. Enfiou tudo na mão e passou para do cobrador, disfarçando irracionalmente que quem efetuava aquele pagamento diminuto era ele mesmo.

Esperou. E ouviu:
- Falta setenta e cinco.
- Ahn, eu acho que, ahn

O cobrador arqueia a sobrancelha.
Ele sabe o que o homem vai dizer. Poderia encerrar o diálogo antes do constrangimento. Mas ele não quer. Ele quer que ele termine. Ele quer que o ombro do homem se dobre e sua voz fique baixa. O banco alto em que ele estava sentado o deixava maior. E como estava maior, apesar de sua altura medir

- Setenta e cinco.

O ombro do homem se dobrou e sua voz disse baixa: "acho que não tenho".  Falou sem autonomia. Sem travessão, olhando indignado para os lados, como se a frase não fosse dele.

O senhor da catraca olhou, onipotente. O ponto do homem diminuto estava chegando. Ele saboreia o olhar tremido. Mexe com as moedas e as guarda. O som é estridente.

Dói.

E enfim, anuncia:

- Só dessa vez.

A voz sai potente, triunfal. Flui pelo diminuto como água, em um dia de calor. Ele desce pela frente e se afasta desesperado, de perto do ônibus. Havia sido um dia cansativo no trabalho. E o homem diminuto trabalhava duro.

Duas viagens seguem. A do cobrador, segue até o final da linha. Contou duas ou três vantagens no caminho.

Chega o fim. E no ônibus, entra o fiscal. Ele pisa firme. Mexe no bigode pra arquear. Confere o caixa.

- Falta três e quarenta.

O ombro do homem diminuto se dobra. Quase de imediato. Forca do hábito.


6 comentários:

  1. vender algo dendo onibu npra pagapassage

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  2. ZUN & SLUT

    Slut desligou o toca-fitas portátil e deu um rápido e eficiente banho em Zun no banheiro do quarto do hotel. Em seguida, secou o rapaz todinho, principalmente a cabeça, e enrolou-o na toalha, como muitas mães costumam fazer com seus filhos.
    Slut não tinha filhos.
    A toalha usada por Slut era grande e vermelha e o aspecto de Zun era o de um menino assustado, embora já tivesse dezoito anos. O ritual quase materno de manipulação fazia-o sentir-se vulnerável, tornando-o passivo na aceitação daqueles cuidados, mas também protegido. Slut vestiu Zun com uma cuequinha vermelha. Pau para a esquerda ou para a direita?, perguntou sorrindo. Para cima, respondeu o brincalhão. Deitou-se na cama de casal e logo adormeceu. Slut cobriu o seu corpo magro com um lençol e permaneceu acordado um pouco mais de tempo, com um frasco na mão esquerda.
    No quarto 42, a vida não passou inteirinha como um filme diante de seus olhos como achou que aconteceria. Por ter injetado morfina na veia minutos antes, relaxou para aproveitar melhor a experiência de morte e vivê-la intensamente.

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  3. Estava no último andar. Quando o fogo atingiu o seu corpo, sentiu com prazer a sua própria carne queimando. Tinha o cheiro enjoativo de churrasco em família.
    Um vulto atravessou o quarto.
    Largou-se no chão e esperou as chamas tomarem conta da matéria.
    O casal subiu para o pequeno terraço do hotel, que era o prédio mais alto da cidade naquela época, para viver a fantasia de transar ao ar livre. Tratava-se de um espaço repleto de fios, cabos, antenas de TV e muita sujeira. Era para ter uma caixa d’água ali, mas não tinha.
    Juras de amor e sexo foram feitos. Em determinado momento, após fumarem um baseado, o rapaz percebeu um princípio de incêndio, devido à fumaça e ao cheiro de queimado vindos de baixo.
    Não tô doidão, é fogo!
    As chamas se alastraram rapidamente por todo o último andar, tomando proporções assustadoras e não permitindo que descessem pela escada. Ouviram uma grande explosão. As labaredas infernais saíram pelas janelas e logo atingiram três metros de altura, alcançando os fios de iluminação O calor era atordoante e havia muita fumaça concentrada no ar. Mal conseguiam respirar. Quando a situação se tornou insuportável, a única opção era saltar lá de cima. E saltaram sem pensar duas vezes.
    A moça sorria largamente durante a queda. O olhar de estranhamento e desespero dele foi a última coisa que ela viu.
    No dia seguinte, após os policiais e bombeiros deixarem o local, o ajudante de serviços gerais pôde varrer as cinzas e iniciar os trabalhos de restauração juntamente com outros profissionais do hotel, um arquiteto e dois pedreiros, afinal, era verão e a cidade estava cheia de turistas para hospedar.
    Zun tornou-se conhecido como o único sobrevivente do maior desastre da história da pequena cidade de pouco mais de oito mil habitantes. Oito pessoas morreram.
    Mesmo sem queimaduras graves, e por causa do nervosismo extremo, Zun foi encaminhado ao hospital municipal, onde dormiu com a ajuda de sedativos, tendo um pesadelo longo, detalhado, obscuro e perturbador.
    Ao acordar, tonto e confuso, Zun meditou durante vários minutos.
    Quem iniciou o incêndio no hotel não foi Slut.
    Dias depois, não se sabe ao certo a razão, queimou e enterrou no quintal da casa do pai todas as fotos dos dois juntos que havia guardado.
    A mãe havia morrido há tempos.
    As autoridades até hoje não descobriram o que ou quem teria provocado o incêndio.
    Zun jamais esqueceu o pensamento que teve pouco antes de cair no sono aquela noite. Um dia depois da tragédia, chegou a transcrevê-lo num papel de pão, no qual ateou fogo posteriormente, transtornado.
    "Slut me ama. Mesmo distante e com o passar do tempo e dos acontecimentos, continua me amando, Não fiz nada para merecer esse sentimento tão forte. Ele se lembra da primeira vez que me viu: quando, como, onde, tudo! O mundo vai dar milhões de voltas, mas ele vai me esperar. O que sente por mim não tem fim. Não compreende o fato de não termos dado certo, mas pode imaginar. Ele se culpa, não é um homem convencional e nem modelo de beleza. É intenso e instável, mas está se cuidando. Também sou, mas não me trato. Posso afirmar qualquer bobagem ao seu respeito, mas se eu disser que ele não me ama, estarei mentindo. Não estamos namorando porque sou idiota, desligado, burro, ingrato e meio louco, pois ele me faria plenamente feliz e sem pedir nada em troca. Ao lado de Slut, eu poderia sentir o que é ser amado incondicionalmente por alguém. Não sei o que estou esperando para voltar atrás e tentar novamente. Sou egoísta e orgulhoso. E ele não se importa com isso. Faria qualquer coisa por mim. Conversarei seriamente com ele pela manhã cedinho e ficaremos juntos de novo. Ele cuida de mim. Ele me ama".

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    1. Magistral, Franco


      Esse final, com aspas. Foi alguém que mandou para você ou você que mandou para alguém?

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    2. Esse final seria, mas não foi enviado para alguém.

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Olá. Você, sendo você mesmo, não é bem vindo aqui. Mas se você for qualquer outra pessoa, sente-se no chão e coma uma xícara de café.

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